Violações aos direitos humanos e crimes de guerra por Israel


Israel utilizou ilegalmente fósforo branco durante as ações militares em Gaza.
No dia 8 de janeiro, o jornal britânico The Times denunciou que as Forças de Defesa de Israel estariam utilizando bombas de fósforo branco, de fabricação estadunidense, desde o início da ofensiva militar à Faixa de Gaza. A reportagem afirmou possuir provas de que civis palestinos foram feridos por essas bombas, que provocam graves ferimentos, e também disse ter identificado obuses com fósforo branco em fotos de imprensa mostrando estoques deste armamento pelo Exército de Israel, tiradas no final de 2008 na fronteira entre o Estado judeu e a Faixa de Gaza.[139][140]
O fósforo branco é uma substância amarelada que queima quando exposta ao oxigênio em temperaturas superiores a 30 graus centígrados. O incêndio que causa pode ser difícil de ser apagado e deixa uma espessa fumaça.[141] As partículas incandescentes dessa substância podem causar queimaduras químicas profundas e muito dolorosas. O protocolo III da Convenção sobre armas convencionais, de 1980, proíbe o uso deste agente contra as populações civis, ou contra as forças militares posicionadas no meio das populações civis.[140]
Assim como o jornal The Times, a organização de direitos humanos Human Rights Watch fez a mesma denúncia contra o Exército israelense sobre a utilização de fósforo branco em seus ataques contra Gaza e exigiu a imediata interrupção no uso desta munição.[142][143] O governo da França somou-se a ONG e também pediu para Israel não usar este tipo de armamento nas operações militares.[144][145] Uma delegação da Anistia Internacional encontrou provas que demonstram o uso "indiscriminado" da munição por parte do exército israelense em Gaza.[146]
O Exército de Israel, que já admitiu no passado ter utilizado esta arma contra "alvos militares" durante sua ofensiva no Líbano contra o Hezbollah, em meados de 2006,[147] afirmou inicialmente apenas que suas forças agem "em conformidade com as leis internacionais", contudo, sem especificar o tipo de operação que está conduzindo ou munição que está usando.[148] No entanto, logo após o término da ofensiva, fontes militares israelenses, segundo o jornal local Maariv, admitiram ter usado bombas de fósforo branco -consideradas ilegais pelas leis internacionais de guerra- em confrontos com os militantes do Hamas, na Faixa de Gaza.[149]
Em sessão especial de 12 de janeiro, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou uma resolução que condena Israel pela ofensiva militar na Faixa de Gaza, exigiu o fim imediato das hostilidades e aprovou o envio de uma missão de investigação independente para avaliar se as Forças de Defesa israelenses estão cometendo crimes de guerra. O texto aprovado condenou a operação israelense "que causou violações maciças dos direitos humanos do povo palestino e a destruição sistemática da infraestrutura".[150][151] Entre outros pontos, o Conselho pediu ao secretário-geral da ONU que investigasse os bombardeios lançados contra escolas gerenciadas pela Agência da ONU para refugiados palestinos, que deixaram dezenas de mortos e agravaram a relação entre a organização e Israel e que todos os relatores especiais da ONU, especialmente aqueles mais relacionados com a situação nos territórios palestinos, buscassem "urgentemente informação sobre os direitos humanos do povo palestino e façam seus relatórios".[150][151]
Segundo a Alta-comissária de Direitos Humanos da ONU e ex-juíza da Corte Penal Internacional, Navi Pillay, as violações do Direito Humanitário Internacional por Israel podem constituir crimes de guerra, "para os quais a responsabilidade penal individual pode ser invocada".[150]
Aumentavam as suspeitas de que Israel estaria utilizando armas ilegais em seus ataques, como bombas de fósforo branco e DIME.[83] O analista militar da Human Rights Watch, Marc Garlasco, confirmou em entrevista à Al Jazeera que as Forças de Defesa de Israel "claramente estão usando fósforo branco, pelas explosões, com tentáculos que descem, e pelas chamas que continuam queimando" e que ativistas do grupo de direitos humanos passaram "por unidades de artilharia israelenses que tinham munição de fósforo branco com os detonadores instalados".[152]
O Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas acusou Israel de mostrar um "claro desrespeito" pela proteção de crianças em sua operação militar na Faixa de Gaza, afirmando que mais de 40% dos mortos no conflito são mulheres ou crianças, apesar do país ter assinado um protocolo da ONU que condena ataques em locais onde possa haver presença de menores de idade.[153]
Por sua vez, o governo israelense prometeu realizar uma investigação sobre os bombardeios em massa contra zonas habitadas na Faixa de Gaza e afirmou estar reunindo provas - entre fotos aéreas e documentos filmados por soldados em campo equipados com câmaras de vídeo, durante os combates - para demonstrar que seus objetivos eram unicamente militares.[154] Israel também acusou os militantes do Hamas desrespeitam as leis humanitárias internacionais ao lançar indiscriminadamente foguetes e morteiros contra alvos civis no sul do país, que possivelmente podem atingir escolas e residências de israelenses.[155] Desde 2001, quando os foguetes começaram a ser lançados, mais de 8,6 mil atingiram o sul israelense, sendo que cerca de 6 mil deles foram disparados a partir da retirada de Israel da Faixa de Gaza, em agosto de 2005.[71] O Hamas, que é considerado uma organização terrorista por Israel, Estados Unidos, União Europeia, Canadá e Japão, geralmente justifica essas ações contra o Estado judeu como sendo uma forma legítima de resistência, e, no caso particular da Faixa de Gaza, o grupo tem argumentado que o bloqueio israelense ao território palestino justificaria um contra-ataque com todos os meios possíveis.[71][70] Organizações de direitos humanos condenam esta prática do Hamas.

Durante a ofensiva militar, o governo e os militares israelenses acusaram o Hamas de usar civis como "escudos humanos", dizendo que militantes do grupo disparam foguetes contra as cidades israelenses a partir de áreas densamente povoadas e armazena armas em casas e mesquitas.[156][157] Segundo os militares israelenses, o alto número de mortos entre a população civil palestina seria fruto do uso, por parte do Hamas, de crianças e mulheres como "escudos humanos", que acabam sendo vitimados pelos ataques que visariam apenas alvos militares.[158] No entanto, a B’Tselem, uma ONG israelense de defesa dos direitos humanos, afirmou que este argumento de Israel não serviria como justificativa, pois o fato de o Hamas usar civis do seu próprio lado não significa que as forças israelenses teriam o direito de desrespeitar as leis humanitárias internacionais, e reforçou que Israel teria a obrigação de proteger a população em detrimento de ataques, mesmo a alvos militares.[158] A organização de direitos humanos Anistia Internacional acusou tanto os soldados israelenses quanto os combatentes do Hamas de colocarem a vida da população palestina civil em risco. [159] Em 2006, a Suprema Corte de Israel havia determinado que o Exército de Israel parasse de usar civis palestinos como "escudos humanos" em operações, alegando que a prática contraria o direito internacional, e classificou este costume militar israelense como "cruel" e "bárbaro".[160][161]
Em março de 2009, dois meses após o fim da Operação Chumbo Fundido, o jornal israelense Haaretz publicou declarações de soldados israelenses que lutaram durante os 22 dias da ofensiva na Faixa de Gaza, em que admitiam que mataram civis que não representavam ameaça às tropas e destruíram intencionalmente suas propriedades, "simplesmente porque podiam". As confissões dos militares, entre eles pilotos de combate e soldados de infantaria, foram reveladas a partir de relatório do curso preparatório para soldados na Faculdade Oranim. Estes testemunhos contradizem declarações oficiais do Exército de Israel sobre o comportamento moral de suas forças durante a operação e confirmam em parte as acusações de organizações internacionais de direitos humanos que criticaram o excesso de violência israelense.[162][163] Dias depois, outro jornal israelense, o Jerusalem Post, citou uma fonte das Forças de Defesa de Israel, segundo a qual os relatos sobre assassinato deliberado de civis palestinos eram falsos, conforme teria sido apurado durante investigações realizadas pelo Tsahal.[164] O diretor do Programa Preparatório do Exército Yitzhak Rabin, Danny Zamir, confirmou ao jornal israelense que os relatos são autênticos. [165]
Ainda em março de 2009, o Exército israelense voltou a negar que o uso das munições com fósforo branco durante a ofensiva constituísse um crime de guerra, conforme havia afirmado a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch.[166]

Ataques a alvos civis
Barco Dignity
Em 29 de dezembro de 2008, um barco fretado pelo movimento Free Gaza saiu do Chipre em direção a Faixa de Gaza, com intuito de romper o bloqueio imposto por Israel à Faixa de Gaza, levando 3.5 toneladas de ajuda médica para o território palestino. O barco, chamado de Dignity, estavam com 16 pessoas à bordo, incluindo dois jornalistas (um da rede Al Jazeera e outra da CNN) e três cirurgiões.[167][52][53] O Dignity foi forçado a retornar após ser atingido e alvo de tiros da marinha israelense enquanto estava em águas internacionais, cerca de 70 km da costa israelense e a 135 km do destino em Gaza, segundo os tripulantes da embarcação de ajuda humanitária. Ninguém ficou ferido.[167][52][53]
Autoridades israelenses disseram que não houve tiroteio e que o Dignity estava em águas de Israel, sendo que o barco teria se chocado com uma lancha da marinha israelense e teria se recusado a receber ajuda. Sem combustível, suficiente para retornar ao Chipre, o barco foi até o Líbano.[54] Apesar do bloqueio israelense, o Dignity havia feito, desde agosto, cinco viagens a Gaza.[167][52][53][54]

Mesquista Ibrahim al-Maqadna
Em 3 de janeiro de 2009, as forças israelenses atacaram a mesquita em Beit Lahiya. Testemunhas relataram que cerca de 200 palestinos rezavam quando o templo foi atacado. Ao menos 16 civis foram mortos e 60 ficaram feridos. Israel acusou o Hamas de abrigar armas e munições dentro da mesquita.[168][169][170][171]

Abrigo em Zeitoun

No dia 5 de janeiro de 2009, as forças israelenses bombardearam uma casa em Zeitoun, um bairro no sudeste da Cidade de Gaza, onde os próprios soldados de Israel tinham colocado cerca de 110 palestinos no dia anterior. Segundo informações da ONU, os soldados israelenses "evacuaram aproximadamente 110 palestinos (metade destes, crianças) e os levaram para uma única residência em Zeitoun, afirmando que eles deveriam permanecer em casa". "Vinte e quatro horas depois, forças israelenses bombardearam a casa várias vezes, matando aproximadamente 30 pessoas."[172][173][174]
Israel afirmou que as denúncias da ONU eram "inverossímeis" e assegurou que "no momento dos fatos, não tinha tropas ali".[175][176]

Escola Al-Fakhura (ACNUR)


Em 6 de janeiro de 2009, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (ACNUR) acusou a aviação israelense de bombardear uma escola administrada pelas Nações Unidas no campo de refugiados de Jabaliya, que vitimou entre 30 e 46 civis.[177][178]
Após o término das operação militar na Faixa de Gaza, secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, visitou as instalações das Nações Unidas na região e pediu "uma investigação exaustiva" sobre os incidentes contra edifícios das entidade e afirmou que os "responsáveis devem prestar contas à justiça".[179]
Quase um mês depois, em 4 de fevereiro , a UNRWA retificou a informação sobre o ataque. Segundo a entidade, o explosivo que matou ao menos trinta refugiados palestinos caiu a poucos metros do prédio, e não dentro da escola, como havia sido informado anteriormente. A informação teria sido dada (e posteriormente corrigida) por outra agência da ONU, o Escritório de Coordenação para Assuntos Humanitários (Ocha).[180][181][182]

Imprensa e jornalistas

Além de violar a liberdade de imprensa, atacando e impedindo a entrada de correspondentes estrangeiros [183] no território palestino, escritórios e instalações - tanto de veículos domésticos quanto internacionais - têm sido alvo das forças israelenses, em Gaza.[184] No dia 28 de dezembro de 2008, os escritórios da Al-Aqsa TV foram destruídos por aviões da Força Aérea de Israel.[184] Em 9 de janeiro de 2009, foi a vez da aviação israelense bombardear o edifício Jawwara, de oito andares, na Cidade de Gaza, que abrigava escritórios de mais de 20 órgãos de comunicação locais e estrangeiros.[185][186][187][188]

Serviços médicos

Médicos do Crescente Vermelho na Faixa de Gaza reclamaram que os profissionais têm sido deliberadamente alvo das forças israelenses.[189]
Uma clínica para bebês foi atacada por caças israelenses. Equipamentos médicos avaliados em centenas de milhares de dólares foram destruídos. Pacientes e funcionários tiveram 50 minutos para evacuar a área. A clínica oferecia serviços básicos gratuitamente a comunidade. Israel não apresentou justificativas para o ataque.[190]
O médico palestino Muhammad Ramadan, da Cruz Vermelha, acusou tanques israelenses de atacar uma ambulância, embora estivesse marcada com o símbolo da organização, apesar de estar em coordenação com as Forças de Defesa de Israel.[191] A força aérea israelense também bombardeou, no dia 4 de janeiro de 2009, o Centro Médico A-Raeiya e sua clínica móvel. Os estragos foram estimados em 800 mil dólares. O centro atendia centenas de palestinos por dia. Nenhum alerta de bombardeio foi divulgado. O centro - bem conhecido e claramente demarcado como de ajuda médica, está localizado em uma área residencial, distante de prédios do governo.[191]
Segundo a Organização Mundial da Saúde, 16 membros de equipes médicas foram mortos durante os 22 dias da ofensiva, e outros 25 ficaram feridos. De acordo com relatório da ONG Physicians for Human Rights - Israel (Médicos pelos Direitos Humanos), as forças israelenses atacaram 34 centros médicos em Gaza, incluindo oito hospitais - uma grave violação das leis internacionais de guerra. A organização informa também que os militares não retiraram os feridos e proibiram que as equipes [médicas] palestinas chegassem aos feridos (cerca de 5.000 durante a operação). [192] Membros de equipes de resgate da Cruz Vermelha Palestina foram atacados várias vezes durante a ofensiva. "Um número desconhecido de palestinos morreu por ter sangrado durante dias, sem tratamento médico, à espera de socorro, enquanto as pessoas não ousavam sair de suas casas." [165]

Investigação da ONU sobre violações de direitos humanos
Em 5 de maio de 2009, o Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, afirmou que Israel mentiu sobre os ataques a alvos civis - escolas, clínica médica e a própria sede da ONU - durante a Operação Chumbo Fundido. Segundo Ban, uma investigação provou que armas israelenses - algumas com fósforo branco - foram a "causa indiscutível" da destruição. Um dos ataques teria matado mais de 40 pessoas. O governo de Israel nega que tenha atirado intencionalmente contra as instalações. [193]
Em 1º de junho a comissão da ONU criada para investigar as violações dos direitos humanos, durante a ofensiva israelense na Faixa de Gaza, que deixou cerca de 1.400 palestinos mortos, em sua maioria civis, entrou no território, proveniente do Egito.
A missão estava programada para permanecer em Gaza durante uma semana, pretendendo reunir-se "com todas as partes envolvidas, incluindo ONGs, agências das Nações Unidas, vítimas e testemunhas de violações denunciadas, além de outras pessoas que possam oferecer informação relacionada aos fatos investigados" − precisou a ONU. A equipe foi chefiada pelo sul-africano Richard Goldstone, ex-promotor no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia e para Ruanda. Da comissão participavam também 14 especialistas legais, entre os quais a professora de Direito Internacional Christine Chinkin, a jurista Hina Jilani e o coronel reformado do exército irlandês Desmond Travers.
O porta-voz do Hamas, Fawzi Barhum, disse que seu movimento cooperaria com a comissão e traria à tona "todas as evidências e provas à disposição, para permitir o bom êxito da missão".
Israel, por sua vez, recusou-se a colaborar com a equipe, por considerar "parcial" a incumbência que lhe fora atribuída em abril, pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU: investigar as violações dos direitos humanos apenas no período de 27 de dezembro a 18 de janeiro - não considerando o período anterior, quando ocorreu o lançamento de foguetes pelas milícias palestinas, e que teria motivado a ofensiva israelense.[194]
Como Israel se negou a cooperar, a missão teve que entrar em Gaza pela fronteira egípcia, segundo informou o chefe da missão, Richard Goldstone - um judeu com estreitos vínculos com o estado de Israel. Em 9 de junho, Goldstone declarou que sua investigação sobre possíveis crimes de guerra cometidos por Israel e pelo Hamas - que incluiu dezenas de entrevistas com vítimas e o exame detalhado dos arquivos de organizações de direitos humanos - dificilmente resultaria na abertura de processos. Em razão da recusa de Israel em cooperar, a missão não teve acesso a fontes militares e às vítimas dos foguetes. Já a segurança do Hamas por muitas vezes acompanhou a missão, durante os cinco dias em que esta ficou em Gaza. Isto, segundo ele, coloca em dúvida a possibilidade das testemunhas descreverem livremente as ações do grupo militante. Mas o principal problema continuam sendo os obstáculos políticos e legais para os julgamentos de crimes de guerra. Segundo Goldstone, não há um tribunal com clara competência para conduzir qualquer processo decorrente dessa investigação, que envolve as três semanas de ofensiva israelense em Gaza. Alex Whiting, professor de direito da Universidade Harvard, disse que Goldstone é "extremamente qualificado", mas esses casos são difíceis de investigar, especialmente quando não se tem acesso aos arquivos militares. Disse também que há poucos mecanismos legais para instaurar processos se os crimes tiverem sido ocultados. [195] [196] [197]
Em seu blog, [198] Goldstone escreveu que o relatório da missão seria divulgado na próxima reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, no início de setembro de 2009.

Relatório da ONU sobre crimes de guerra na Faixa de Gaza
Em 15 de setembro de 2009, em Nova York, o juiz Richard Goldstone apresentou o relatório da comissão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. O documento contém 575 páginas e afirma que Israel "cometeu crimes de guerra e, possivelmente, contra a humanidade", mas pondera que o lançamento de foguetes pelos insurgentes palestinos também configura crime de guerra. [99]
Ao apresentar o relatório, Goldstone explicou:
"Baseados em fatos, chegamos à conclusão de haver provas convincentes de que Israel transgrediu gravemente o Direito Internacional durante suas operações militares – desrespeitando tanto o Direito Internacional Humanitário quanto as deliberações sobre os direitos humanos. As forças israelenses de combate cometeram crimes de guerra, bem como possivelmente crimes contra a humanidade".
"Não há dúvidas de que o lançamento de mísseis e granadas se deu com o objetivo de ferir e matar civis, bem como de destruir o maior número possível de instituições civis. Esses são sérios crimes de guerra e possivelmente também crimes contra a humanidade." [199]
O relatório afirma que a operação da Israel foi contra "o povo de Gaza em conjunto" e que "Israel não adotou as precauções requeridas pelo direito internacional para limitar o número de civis mortos ou feridos nem os dados materiais". O documento confirma também que Israel cometeu violações à lei humanitária, ao disparar fósforo branco e usar de artilharia altamente explosiva durante a operação.
Segundo o relatório, os militares israelenses usaram "a força de maneira desproporcional" contra civis palestinos, e que Israel bombardeou armazéns de alimentos, zonas residenciais, fábricas e equipamento de tratamento de água. Segundo a comissão, "essas destruições tinham como objetivo negar a subsistência da população civil."
A missão também cita casos de civis palestinos baleados quando deixavam suas casas em busca de abrigo, frequentemente levando bandeiras brancas e às vezes, agindo sob instrução dos prórprios israelenses. O relatório cita um ataque à localidade de Zeitoun, no sul da Cidade de Gaza, contra um imóvel no qual os próprios israelenses tinham colocado civis palestinos.
"Se levarmos em conta o planejamento que ocorreu e o uso da melhor tecnologia disponível para executar esses planos, além da declaração do Exército israelense de que não existiram erros, a missão conclui que os incidentes e os padrões de conduta analisados no relatório são o resultado de decisões políticas deliberadas".
O Ministério de Relações Exteriores de Israel, em comunicado à missão israelense na ONU, em Genebra, afirma que a comissão da ONU "deu legitimidade à organização terrorista do Hamas e desconsiderou a tática deliberada do Hamas de usar civis palestinos para encobrir ataques terroristas". [200]
O chamado "relatório Goldstone" recomenda que os dois lados envolvidos no conflito conduzam apurações independentes sobre as supostas violações, apresentando suas conclusões ao Conselho de Segurança da ONU no prazo de seis meses; caso isto não seja feito adequadamente, o Tribunal Penal Internacional deve ser consultado. [201]
"Há muito tempo que prevalece na região uma cultura de impunidade", disse Goldstone, ao apresentar o relatório.
Após a publicação do documento, a Autoridade Palestina, presidida por Mahmud Abbas, pediu sanções internacionais contra Israel.

Pressões contra o encaminhamento do relatório
O governo israelense iniciou uma intensa pressão política e diplomática, para evitar o encaminhamento do relatório Goldstone ao Conselho de Segurança da ONU. Em 1° de outubro, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, exortou a ONU a não submeter o relatório Goldstone à avaliação do Conselho de Segurança. "A adoção do relatório Goldstone representaria um golpe fatal para o processo de paz", declarou Netanyahu.[202]
O governo norte-americano também criticou o relatório e manifestou publicamente o seu apoio a Tel Aviv.
"Temos sérias inquietações sobre muitas das recomendações do relatório, e acreditamos que o lugar apropriado para ser analisado é no Conselho de Direitos Humanos", disse embaixadora americana na ONU, Susan Rice, aludindo à recomendação de que os dois lados envolvidos no conflito conduzam apurações independentes sobre as supostas violações, e apresentem suas conclusões ao Conselho de Segurança da ONU no prazo de seis meses, para que os responsáveis por ações criminosas sejam submetidos a processo judicial. Rice lembrou que o governo dos Estados Unidos já havia considerado a análise do conflito de Gaza "desequilibrada, parcial e inaceitável".[203]
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, por sua vez, evitou pronunciar-se quanto à probabilidade de o Conselho de Direitos Humanos – reunido a partir de 29 de setembro em Genebra – seguir a recomendação da Comissão Goldstone, mas disse que apoia o relatório e pediu aos seus assessores "que verifiquem seu conteúdo, no tocante à responsabilidade pelos crimes lá enumerados". [199] Esperava-se que o Conselho de Direitos Humanos, integrado por 47 países, aprovasse a resolução e, em seguida, repassasse o documento para a Assembleia Geral da ONU, para que as providências cabíveis fossem tomadas. Isto poderia resultar em processo contra os oficiais israelenses no Tribunal Penal Internacional em Haia. O Conselho, no entanto, decidiu adiar a decisão até março de 2010, após "intensos esforços diplomáticos" dos Estados Unidos.
Em 2 de outubro, a delegação palestina na ONU também desistiu de encaminhar as acusações contra Israel por crimes de guerra ao Conselho de Direitos Humanos. Os palestinos afirmaram ter retirado as acusações temporariamente, para angariar apoio, retomando o assunto somente em 2010.
O Paquistão pediu que o assunto não fosse esquecido e que a decisão fosse adiada para dar "mais tempo e consideração" para a questão. O enviado do Paquistão na ONU, Zamir Akram, disse a desistência palestina teria sido decorrente da "imensa pressão dos EUA".[204] Da mesma forma, altos funcionários palestinos e norte-americanos em Ramallah e em Washington disseram que a decisão palestina foi tomada após forte pressão dos Estados Unidos e de uma advertência de que seguir com a resolução poderia prejudicar o processo de paz no Oriente Médio. [205]
A diretora da Human Rights Watch para o Oriente Médio, Sarah Leah Whitson, declarou que a falta de apoio ao relatório Goldstone, por parte dos Estados Unidos e da União Europeia, contém uma mensagem terrível: a de que violações das leis de guerra por estados aliados seria tolerada. Ainda segundo Whitson, a rejeição do relatório pelo primeiro-ministro Netanyahu, sob a alegação de que iria atrapalhar o processo de paz, corresponde a negar a importância da justiça para se alcançar a paz. "A impunidade persistente - e não a justiça - é a maior ameaça para a paz."[206]

 
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