Regime da Birmânia prolonga prisão domiciliária de Aung San Suu Kyi, Prêmio Nobel da Paz


Em duas décadas de activismo pela democracia, Aung San Suu Kyi passou 14 anos encarcerada em casa ou atrás das grades de prisões. A mulher de aparência frágil e postura pacífica que desde 1988 ameaça os alicerces da ditadura militar conheceu esta terça-feira a sentença de um tribunal montado há três meses na prisão política de Insein: três anos de cadeia, veredicto corrigido para ano e meio de prisão domiciliária num gesto cuidadosamente coreografado pela junta do general Than Shwe.O último processo judicial contra a figura de proa da Oposição birmanesa remonta a Maio. Na base das acusações movidas a Aung San Suu Kyi esteve um incidente protagonizado por John Yettaw, um mórmon norte-americano de 53 anos que, nesse mesmo mês, atravessou a nado o lago contíguo à casa da Nobel da Paz, invadindo a propriedade. O regime apressou-se a acusar Aung San Suu Kyi de violar os termos da prisão domiciliária, ao abrigar por dois dias o cidadão dos Estados Unidos, e revogou a sua libertação, que deveria ter acontecido a 27 de Maio.

Trajecto político de Aung San Suu Kyi

A líder da Oposição democrática da Birmânia nasceu em Rangum em Junho de 1945. Suu Kyi é filha do general Aung San, herói da independência do país assassinado em 1947, e de Daw Khin, outra figura pública destacada.Aung San Suu Kyi estudou Ciência Política em Nova Deli, na Índia, e filosofia, política e economia na Universidade de Oxford, no Reino Unido. Casou-se em 1972 com o académico britânico Michael Aris. O regresso à Birmânia dá-se em Abril de 1988, numa altura em que o país é atravessado por uma onda de manifestações contra a junta militar. Em Rangum, Suu Kyi assume a liderança da Liga Nacional para a Democracia. Prosseguir o legado do pai é a pedra angular da sua plataforma política. Em Julho de 1989, a junta militar confina Aung San Suu Kyi a prisão domiciliária. Acusada de "representar um perigo para o Estado", a líder da Liga para a Democracia fica impedida de fazer
campanha nas primeiras eleições legislativas organizadas na Birmânia em quase três décadas. Ainda assim, o seu partido conquista 392 dos 485 assentos no Parlamento. A junta ignora o escrutínio. Em 1991, é distinguida com o Prémio Nobel da Paz.

Julgado num processo paralelo, John Yettaw, veterano da Guerra do Vietname, vai agora cumprir uma pena de sete anos de trabalhos forçados. Durante o julgamento, alegou sempre que a proeza de Maio foi inspirada por um "aviso de Deus" sobre uma plano "terrorista" para assassinar Aung San Suu Kyi. O norte-americano sofre de problemas cardíacos, diabetes e epilepsia e esteve hospitalizado nas últimas semanas.
"Aung San Suu Kyi foi considerada culpada das acusações, pelo que determino uma pena de três anos de prisão". Foi com estas palavras que o juiz de Insein selou a leitura da sentença. Minutos depois, caberia ao major-general Muang Oo, ministro do Interior, dar voz a uma decisão assinada pela mão do líder da junta.
A pena seria cortada para metade à luz de dois argumentos oficiais: o facto de a líder da Oposição ser filha de Aung San, o herói da independência da Birmânia face à Grã-Bretanha, e "a necessidade de preservar a paz e a tranquilidade na comunidade e prevenir quaisquer distúrbios no roteiro para a democracia".
O "roteiro" corresponde à fórmula utilizada pelo regime para descrever o que afirma ser um conjunto de reformas democráticas destinadas a levar o país às urnas em 2010, num processo eleitoral multipartidário.
Os críticos do regime sustentam que o prolongamento da detenção de Aung San Suu Kyi deixa patentes as reais intenções da junta militar, que mantém atrás das grades perto de dois mil prisioneiros políticos e o país cingido por um punho de ferro - a última vaga de repressão na União da Birmânia, que o regime rebaptizou como Myanmar em Junho de 1989, teve lugar em Setembro de 2007, quando milhares de monges budistas deram voz ao descontentamento nas ruas.
Sentença dá lugar a protestos
A decisão da junta está a motivar uma extensa barragem de críticas e condenações por parte de vários países e organizações de defesa dos Direitos Humanos. A começar pela Amnistia Internacional, que fala de um veredicto "ofensivo" resultante de mais uma "mascarada política".
A sentença deixou também "triste" o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, e levou a presidência sueca da União Europeia a prometer uma resposta com "novas medidas direccionadas aos responsáveis pelo veredicto" e o reforço "das medidas restritivas para o regime da Birmânia, incluindo os seus interesses económicos". O Presidente francês, Nicolas Sarkozy, sugeriu mesmo a implementação de sanções apontadas às exportações birmanesas de madeira e rubis.
A Malásia apelou, por seu turno, à realização de um encontro de emergência da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Tailândia, Malásia, Singapura, Indonésia, Filipinas, Brunei, Vietname, Laos, Camboja e Birmânia). Com a sentença agora proferida, sublinhou o Ministério malaio dos Negócios Estrangeiros, "Aung San Suu Kyi fica sem meios para participar nas eleições gerais do próximo ano, que deveriam ser livres e justas".

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