Seminário no Rio de Janeiro discute impasse da questão israelo-palestina

Pablo Pires Fernandes - Estado de Minas (02 de agosto de 2009)




Participação do Ministro Celso Amorim no "Seminário Internacional de Mídia sobre o Processo de Paz no Oriente Médio". Palácio do Itamaraty, 27 de julho de 2009.


Israelenses e palestinos querem a paz. Apesar de alguns interesses escusos, é um consenso em ambos os lados desse conflito que já dura décadas sem solução. Os meios para alcançá-la, no entanto, são controversos e impõem questões que há décadas pairam sobre os dois povos. Mesmo dentro da sociedade israelense ou palestina, as propostas para um avanço nas negociações de paz tropeçam em problemas e divergências tão arraigadas que deixam desconfiados até os mais otimistas. As dificuldades de abordar o conflito ficaram explícitas no Seminário Internacional de Mídia sobre o Processo de Paz no Oriente Médio, patrocinado pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o apoio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que ocupou o Palácio do Itamaraty por dois dias no início da semana passada.

Embaixadores, autoridades, jornalistas e representantes da sociedade civil de vários países se debruçaram sobre a questão para debater temas referentes ao conflito que mobiliza opiniões, muitas vezes, apaixonadas, em todo o mundo. A discussão sobre o papel da mídia, foco do evento, já deixou clara a dificuldade de se avançar sobre o problema. Jornalistas palestinos e israelenses fazendo acusações mútuas de parcialidade na cobertura dos fatos e das questões políticas, as censuras internas – de Israel, do Hamas, da Autoridade Nacional Palestina (ANP) – só evidenciam que outros consensos são árduos de se obter e descreditam as tentativas de diálogo.

Mas, além das críticas, algumas ásperas, houve uma relativa concordância da importância da mídia no processo e da necessidade de buscar formas de se evitar estereótipos, demonizações do lado oposto, de usar terminologia adequada ao se referir aos fatos. Um exemplo é a forma com a qual israelenses e palestinos se referem à ofensiva de Israel contra o movimento radical Hamas, em janeiro, na Faixa de Gaza. De um lado, guerra e massacre, de outro, operação militar. Também foi ressaltada a falta de espaço dada às muitas histórias de parceria, solidariedade e coexistência pacífica. Não há solução fácil, mas todos apostam e pedem uma mudança de atitude.

CONTRIBUIÇÃO


O assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, afirma que o Brasil pode ser um bom interlocutor para as negociações de paz, já que o país tem boas relações com os dois lados. Ele lista as razões pelas quais a diplomacia brasileira não só pode contribuir, como tem importância estratégica para o país. Para Garcia, a persistência do impasse não só penaliza as populações envolvidas, mas alimenta outros focos de conflito. Embora não tenha citado, é comum ao discurso de extremistas islâmicos atribuir suas ações à “injustiça” ou à “opressão” do povo palestino.

Garcia também defende que a perpetuação do problema no Oriente Médio fortalece mecanismos antidemocráticos e que uma resolução pacífica desse conflito, por outro lado, impulsionaria as ideias de paz e democracia. Um acordo definitivo na questão, de acordo com o assessor, pode contribuir para o florescimento livre das ideias das culturas árabe e judaica.

Embora posturas radicais em Israel e na Palestina ainda tenham força, sobretudo entre os fundamentalistas religiosos muçulmanos e judeus, a maioria da população dos dois lados está convencida de que a solução de dois Estados é necessária para se alcançar a paz. Os pontos de discórdia que travam o processo são bem conhecidos: os assentamentos judaicos na Cisjordânia; o direito ao retorno dos refugiados palestinos expulsos em 1948, ano de fundação do Estado de Israel; a partilha de Jerusalém, dividida em duas, mas ocupada por Israel desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967; reconhecimento mútuo de soberania e direito de existir; limites das fronteiras entre os dois Estados.

Apesar de todos esses pontos serem fundamentais para a resolução do impasse, atualmente, a questão dos assentamentos é a que está em maior evidência. Boa parte dessa exposição se deve à postura da administração de Barack Obama de exigir o congelamento das colônias judaicas nos territórios ocupados que são, segundo resoluções da ONU, de direito dos palestinos. O governo israelense, eleito em fevereiro, se apoia em uma coalizão de partidos de direita ou extrema direita, com integrantes que apresentam postura bastante aversa à qualquer cessão à causa palestina, a que se referem como concessões.

DILEMA

O atual primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, vive um sério dilema entre a pressão dos Estados Unidos, maior e fundamental aliado de Israel, e as promessas de campanha, baseadas em posturas radicais de expansão das colônias e de negociar com os palestinos depois de uma evolução econômica nos territórios ocupados, dependentes de ajuda externa.

“O novo governo está manobrando entre duas pressões opostas, mas vai ter que lidar com a questão dos assentamentos”, declara Nahum Barnea, colunista político do jornal israelense Yediot Ahenorot. Para ele, a pressão norte-americana deve falar mais alto. “Houve momentos na história em que tivemos diferenças reais com a administração americana, mas, toda vez que isso ocorreu, Israel não conseguiu abrir mão dos EUA como aliado.”

Danny Nishlis, diretor da Rádio Haifa, considera as colônias o maior obstáculo para a paz e também acredita ser imprescindível seu desmantelamento para que haja avanços no processo de paz. “O governo, finalmente, não pode se postar diante de Barack Obama, que pode dizer que apoia Israel, com dinheiro, equipamento. Sem o apoio norte-americano, talvez Israel não existisse.” Ele diz que pode levar alguns anos, mas Israel vai ter que fazer o que os EUA demandam, “incluindo congelar e remover os assentamentos”. Nishlis acredita ser possível o desmantelamento, como ocorreu na Faixa de Gaza, em 2005 e diz que esse fato vai dar confiança aos palestinos para um maior engajamento nas negociações.

Um dos maiores críticos à política de assentamentos de Israel, o colunista do jornal israelense Haaretz Gideon Levy faz uma metáfora sobre a necessidade de se chegar a uma solução: “O Brasil é o país do futebol e não sou especialista em futebol, mas sei que, depois de 90 minutos de jogo, os árbitros dão alguns minutos a mais. Acho que estamos nesses acréscimos para a solução dos dois Estados. Os 90 minutos acabaram e a chance de evacuar 300 mil colonos é quase impossível e, sem isso, não há solução possível. Estamos nos últimos momentos da solução de dois Estados. Se iso não ocorrer, os assentamentos vão ficar lá e Israel vai se tornar para sempre um Estado de apartheid, um Estado para dois povos, que não vai ser um Estado justo. Não é tempo para pequenos passos, mas para grandes passos.”

Arquivo

 
▲ TOPO ▲