Os árabes nos EUA oito anos depois do 11 de Setembro - Matéria para Comentários da semana



Os árabes começaram a desembarcar junto com outros imigrantes em Ellis Island, em Nova York, no fim do século 19 e começo do 20. Assim como o escritor Gibran Khalil Gibran, eram majoritariamente cristãos provenientes de áreas do Império Otomano que anos depois se converteriam na Síria e no Líbano. Por décadas, representavam apenas mais uma comunidade estrangeira vivendo nos EUA.

As principais figuras árabes americanas diziam ser descendentes de sírios e libaneses, e não simplesmente árabes. Entre elas, o ex-senador John Edward Sununu e seu pai, John Henry Sununu, chefe de gabinete de George Bush; Philip Habib, enviado de Ronald Reagan ao Oriente Médio, e George Mitchell, enviado de Barack Obama à mesma região; John Abizaid, que comandou as Força Americanas no Iraque; e Ralph Nader, ativista e ex-candidato independente à Presidência.

Os muçulmanos americanos de origem árabe sempre foram minoritários nos Estados Unidos quando comparados ao total de cristãos, que somam dois terços atualmente. Muitos seguidores da religião islâmica vieram de países não-árabes, como o Paquistão, Bangladesh e Quênia, como o pai de Obama. Até o 11 de Setembro, os muçulmanos mais conhecidos dos EUA eram negros convertidos, como o ex-boxeador Cassius Clay, que ficou célebre com a sua denominação islâmica de Muhammad Ali.

A vida destes árabes e muçulmanos se transformaria com os atentados de 11 de Setembro. Os 19 responsáveis pelos ataques em Nova York e Washington pertenciam à rede terrorista islâmica Al Qaeda e eram de países árabes – especialmente a Arábia Saudita, que não possui comunidade nos EUA. Os americanos árabes, inclusive os cristãos, e os muçulmanos, independentemente da origem, se depararam com uma situação em que “precisavam pedir desculpas por um ato que não cometeram”, conforme escreve o autor Moustafa Bayoumi no seu livro “Como é se sentir um problema? – sendo jovem e árabe na América”.

Segundo pesquisa do Instituto Pew publicada nesta semana, 58% dos americanos afirmam que os muçulmanos sofrem preconceito nos Estados Unidos. Este número supera o de todas religiões e perde, entre os diferentes grupos, apenas para os gays e lésbicas. Histórias de problemas em aeroportos são conhecidas nos EUA. Pessoas com sobrenome árabe são submetidas muitas vezes a interrogatórios que duram horas. No seu livro, Bayoumi relata casos ainda mais extremos, como uma família que passou três meses presa depois dos atentados.

No dia a dia, também existem dificuldades mais sutis. Nuray Inal, muçulmana de origem turca (não-árabe), diz que teve problemas até nos seus relacionamentos amorosos. “A família de um namorado na universidade não me aceitava porque eu era muçulmana”, diz a jovem, que já trabalhou no governo americano e não cobre a cabeça ou jejua no Ramadã (mês sagrado para os islâmicos). Uma outra mulher, síria-americana e muçulmana não-religiosa, diz que seu pai, médico, perdeu muitos pacientes depois dos ataques terroristas. “Também decidi trancar um ano a universidade e fui morar no exterior porque não aguentava ouvir os equívocos que diziam sobre a religião da minha família e os árabes na TV”, diz.

O economista Saifedean Amous, de origem palestina, acrescenta que nunca sofreu preconceito diretamente por ser árabe. Inclusive, os árabes possuem um nível educacional e uma renda per capita superior à média americana. “Nas ruas, nem percebem de onde sou”, diz Amous. A não ser quando fala em árabe no celular, como o Estado presenciou nesta semana na entrada de uma estação de metrô em Manhattan. As pessoas olhavam com medo e algumas se afastavam.

“O problema não é a maneira como me tratam. Não enfrento problemas raciais, como os negros. O difícil é ver como retratam os palestinos e outros árabes na imprensa. Quando digo que sou palestino em Nova York, não há tanto problema. Mas sempre existem aqueles que dizem ‘vocês se explodem para matar inocentes’”, afirma, reclamando da generalização na forma como enxergam os palestinos.

Jihan Abdallah, palestina que estudou nos Estados Unidos e hoje vive em Jerusalém, diz que muitos ficavam surpresos quando informava a sua origem. “Os americanos não conseguiam entender que eu poderia ser árabe e cristã ao mesmo tempo”, conta, acrescentando que não chegou a ser vítima de preconceito.

As experiências dos árabes nos Estados Unidos chegaram até as salas de cinema. Neste mês, foi lançado em Nova York o filme Amreeka, que conta a epopéia de uma família palestina cristã que vive perto de Chicago. Além disso, comediantes organizam festivais em que contam piadas sobre como é ser árabe e/ou muçulmano vivendo nos Estados Unidos. Livros sobre o islamismo também se tornaram comuns nas livrarias. O árabe se tornou uma das línguas mais procuradas das universidades ao lado do chinês e do espanhol. Hoje, de acordo com a Pew, mais da metade dos americanos sabe que o livro sagrados dos muçulmanos é o Alcorão e que “Allah” significa Deus em árabe. O número é bem superior a antes de 11 de Setembro.

James Zogby, presidente do Instituto Árabe-Americano, afirma que os problemas dos árabes antecede os atentados e está relacionado com a questão palestina. Cristão filho de libaneses, ele explica que, assim como os italianos eram erroneamente ligados à máfia, os árabes são ao terrorismo. “O conflito árabe-israelense criou o estereótipo do árabe terrorista, especialmente depois das guerras de 1967 e 1973”, explica. Mais ou menos nesta época, os árabes passaram a se organizar nos EUA, da mesma forma que outras minorias, seguindo a luta pelos direitos civis dos negros. “No 11 de Setembro, realmente houve um crescimento dos ataques contra árabes. Três pessoas foram presas por me ameaçarem. Mas a maioria dos americanos se levantou para nos defender. Isso foi muito importante”, disse ao Estado o líder árabe-americano.

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